TEXTO: SER POLIGLOTA NA PRÓPRIA LÍNGUA
Evanildo Bechara
O professor
dizia:
“Isso está
errado, isso não se diz”.
Como ‘não se
diz’? A criança repete o que ouve. Seus pais só dizem isso, e são advogados,
professoras primárias...
O outro erro
era:
“Isso não é português”.
Ora, se não é
português, tem que ser outra língua, francês, inglês, alemão...
São dois
erros de pedagogia. O professor de hoje reconhece que o aluno vem com a sua modalidade linguística. Uma língua que
só tem uma modalidade é um a língua morta.
O ideal é que
o aluno seja poliglota na própria língua, que ele aprenda o maior numero de
realidade da sua língua e até a língua padrão, porque senão vai cometer vários
erros de tradução na própria língua . Como a historia do sujeito que foi para o
Rio grande do Sul. Quando chegou ao Paraná, leu em uma placa: Atenção,
tartarugas nas estradas. Ele disse para mulher:
“Eu vou
diminuir a marcha. A primeira tartaruga que aparecer, você apanha e a gente
leva de souvenir”.
Atravessou o
Paraná, Santa Catarina, e nada de tartaruga. Só depois descobriu que tartaruga
é quebra-mola. Claro que todas essas normas de correção, próprias de cada
variedade, tem seu limite: a propriedade
do texto. Se você constrói um texto que é uma carta intima a um amigo, tem
possibilidade de utilizar construções que não estão apoiadas nem documentadas
pelas normas da língua padrão. Mas a natureza do termo é que leva a isso. Essa
realidade existe em todas as obrigações sociais. Quando a gente recebe um
convite para uma festa, está la no convite: traje passeio, ou esporte, ou a
rigor. O que é isso?É que existe uma etiqueta
social. A língua padrão é a etiqueta cultural. Um tipo de modalidade que não é
para usar todos os dias.
Há pessoas
até que exageram, e resultado é que normalmente não são entendidas. Tenho um
amigo professor de português, que só fala a língua exemplar, padrão. Uma vez
saindo do Pedro II, foi assaltado.
Gritou, e não apareceu ninguém. Ele ficou aborrecidíssimo. Voltou ao Pedro II e
reclamou.
“Mas você não
gritou? Não pediu socorro?”, perguntaram.
“Eu gritei,
mas não apareceu ninguém!”
“Mas o que
você disse?
“Eu gritei
‘Peguem-no!Perguem-no!’”
O limite é a adequação.
Vocabulário
Modalidade: Forma, característica.
Souvenir: objeto característico de um lugar, lembrança.
Propriedade: particularidade, adequação.
Etiqueta: conjunto de normas de conduta do convívio social.
Pedro II: tradicional colégio do Rio de Janeiro, criado em 1837.
Adequação: conveniência.
Para entender o texto
1.
O uso de uma língua varia segundo a época, a região,
a classe social, a idade, o grau de escolaridade etc. Com base nessa
constatação, qual a principal recomendação do professor Bechara?
2.
A maneira como falamos ou escrevemos também
varia em função da pessoa a quem nos dirigimos e do tipo de relação formal ou
informal, exigida pela situação. Que exemplo da etiqueta social o professor
utiliza para fazer um paralelo com essa afirmação?
3.
Com que outra expressão o professor se refere,
no último parágrafo, à língua padrão?
4.
A que conclusão chega o professor sobre a língua
padrão ao compará-la com as normas de conduta da etiqueta social?
5.
O que quis dizer o professor com a frase “O
limite é a adequação”, em referência à maneira de falarmos e escrevermos?
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